quinta-feira, 24 de maio de 2012

Ovos quebrados


Chega um momento em que a relação precisa quebrar os ovos. É bom estar preparado.

Será como o trabalho doméstico: transparente. Lava-se louça, roupa, estende, retira os vincos com ferro, limpa casa, recolhe o lixo, arruma os brinquedos e os filhos nem reparam que tudo está novamente no lugar e no armário, apesar da bagunça feita recentemente. É óbvio que não vão agradecer. É o que chamo de passado secreto. Aconteceu, mas não merece memória. Entretanto, a raiva fica: não fui valorizado e resta um desmemoriado mal-estar.





Meu namorado resolveu comer omelete. Ele já fez o prato outras vezes em seu apartamento.



Estava em casa e me antecipei na captura dos ingredientes, louca para agradá-lo. Mas a minha menção de executar a tarefa o desagradou. Entenda, é o passado secreto. O ardiloso passado secreto. Com minha efusiva disposição, ele desconfiou de que não gostava de suas omeletes e que somente agora, decorrido um ano, estava com coragem de falar.

Raciocinei que significava uma informação dispensável, meu modo era dourar os dois lados e o dele era envelopar a massa ao final, mas ele tratava o assunto com tamanha energia que até me assustou.

- Quer que eu faça?
- Não gosta do jeito que faço?
- Gosto, é que eu mostraria minha predileção...
- Gosta nada, quem já fez omelete para você? Quer do jeito de quem? Confessa?
- De ninguém.
- Ora, vai nessa, qual é a receita? Com queijo ralado, requeijão, fatias? Por que nunca me disse que não gostava da minha omelete? Eu me sinto um idiota...
- Eu gosto, só busquei uma maneira diferente.
- Que maneira?
(Daí eu me danei)

Levaremos mais tempo discutindo na tentativa de prevenir a discussão. A conversa durou duas horas. Duas horas sobre absolutamente nada, a não ser o medo do que não foi vivido junto. Se aliso seu umbigo, acreditará que repito um convite libidinoso com um antigo namorado. Quanto mais a gente se entrega, maior é o pânico de estar sozinho na doação, de ser uma miragem afetiva. Tanto que após desfiar um "eu te amo tanto", não ouse nunca mais declarar "eu te amo" - é como se amasse menos.

O ciúme está dobrado em cada gesto, fazendo contas e pedindo estornos. Não há saída; passe manteiga na conversa, aqueça a frigideira e admire os ovos quebrados na pia.

Repare como o negócio é tinhoso. Durante as compras, no caixa, costumava perguntar se ele estava naquele momento com troco. Não falava dinheiro, mas troco. Uso troco para tudo. Para quê? Ele já formulou uma tese de que empregava o código com o ex. Igual sina em nossas rotas românticas. Relaxados, sozinhos e prontos para namorar, peço que ele me alcance o champanhe do balde: - Por favor, me passe a "champs"? “Champs”? Feito o entrevero. Usava também esse dialeto com o ex.

O grave é que ele tem razão. Só não desejava brigar, ainda mais quando não tenho defesa. Ele poderia ser mais justo e me dar tempo para preparar uma mentira.

Fabricio Carpinejar

Adaptação: Linda Rosenstar


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